quarta-feira, 30 de julho de 2008

À Velha Fábrica III

No Terceiro Dia

Roteiro Alex Huche

Núcleo de Adolescentes Multiplicadores (2006)
E.M. Mal. Mascarenhas de Morais


Ato I

Marcos fala com o público.


Marcos – Me lembro de ter subido o morro naquele dia, um dia quente, crianças correndo pra todo lado, mulheres com rolinhos nos cabelos nas portas de casa, Homens armados... Se é que meninos de 17 anos são homens. ...e lá estava ele sentado imponente.


Marcos sobe o morro para falar com seu amigo Marcelo.


Marcelo – Coé, tá fazendo o quê aqui em cima?
Marcos – Sabe que dia é hoje?
Marcelo – Sei, claro, é o nosso aniversário...
Marcos – Pois é ... queria te ver... faz tanto tempo que...
Marcelo – É... o tempo... é muito louco.
Marcos – Já tá chapado?
Marcelo – Só um pouco... cara, lembra quando a gente jogava aquela bola?.. não tinha pra ninguém.
Marcos- Pode crêr... Tu era sinistro... como estão as coisas?
Marcelo – Tamo aí.
Marcos – Já pensou em sair daqui?
Marcelo – Sair daqui?... Aqui sou Rei.
Marcos – Rei que recebe ordens de quem nem está aqui.
Marcelo – E você, trabalhando no asfalto e tomando bronca de otário e tendo que abaixar a cabeça?...vai me dizer que tá indo a igreja?
Marcos – Não, não estou, mas acredito em Deus.
Marcelo – Deus!... esse não passa aqui faz tempo, mas querer o quê?... se até o filho ele deixou na mão... prefiro o meu canhão.
Marcos – E por falar em pai, tem visto o teu?
Marcelo – Putz, não vejo o coroa há um tempão, desde o dia em que ele subiu aqui pra me levar daqui... Pô sabe como é, tô aqui com a maior moral e ele vem aqui e... cara me senti na quinta série, quando os meus pais iam na escola, maior vergonha.
Marcos – E aí?
Marcelo – Pô esculacharam o coroa, botaram ele pra ralar .
Marcos – E você?
Marcelo – O quê que tem?
Marcos – Não fez nada?
Marcelo – Fazer o quê?... já sou homem.
Marcos – Sei... e pensar que você tinha tudo.
Marcelo – Você fala isso porque você não tinha nada, e não sabe o que é ter que ser igual ao seu irmão, melhor que os seus amigos e ver todo mundo ser o máximo... Você não... não tinha nada, nem pai pra te encher o saco.
Marcos – Engraçado você falar nisso, estava com o Márcio falando sobre isso, sobre nós dois, ainda ontem.
Marcelo – Márcio, que Márcio?
Marcos – O Professor Márcio, ele me explicou que existe uma coisa, como é que é mesmo?... É Resi... Resiliência, é quando duas pessoas diferentes reagem as dificuldades da vida, uns são mais resistentes aos problemas.
Marcelo – O Professor Márcio nunca gostou de mim.
Marcos – Não é verdade, ele sempre se preocupou muito com você.
Marcelo – Ele nunca gostou de mim, como eu era, sempre tentou me mudar, aceitar o meu jeito, ele nunca quis.
Marcos – Mas você queria o quê, fazendo tanta besteira?
Marcelo – Ah, eu já entendi, você quer vir aqui e me mudar, também.
Marcos – Por que você não larga as drogas e não sai dessa vida?
Marcelo – Porque, hoje, eu sou eu de verdade.
Marcos – Não acredito nisso, você sempre foi contra as injustiças.
Marcelo – Injustiça é a polícia te esculachar só por você apertar unzinho.
Marcos – Pelo o que vejo, você não usa só maconha, né?
Marcelo – Dois amigos meus, vieram comprar maconha e quando desceram, foram mortos pela polícia, cadê aquele papo de usuário não ser bandido?
Marcos – Você sabe que essas coisas acontecem... larga isso, sai dessa...
Marcelo – Não dá, nem que eu quisesse, meu mundo é aqui.
Marcos – Isso não é o mundo de ninguém.
Marcelo – Lá vem você com esse papo de perdedor.
Marcos – Vamos ver seus pais?
Marcelo – Pô, tu tá chato, hein.
Marcos – Só porque quero salvar um amigo, um irmão?
Marcelo – Quem quer ser salvo?... A vida pra mim, agora é a mais de cem, não quero o teu mundinho.
Marcos – Esperei o dia de hoje, nosso aniversário, pra ajudá-lo a renascer.
Marcelo – Renascer... sei... Quer saber, vai embora daqui, mete o pé, você também não me aceita, não gosta de mim... Vai embora!
Marcos – Eu vou, mas vou voltar, não vou desistir de você.
Marcelo – Tá, Tá bom... Vai continue sonhando em ser Doutor, vai ser escravo lá embaixo.
Marcos – Como se você fosse livre aqui em cima.
Marcelo – Tá fazendo o quê aqui, ainda, Rala!

Marcos – Essa foi a última vez que eu o vi...
Fiquei sabendo que três dias depois, em uma batida da polícia, ele bateu de frente com os homens, parecia não ter nada a perder...
Foi quando o pior aconteceu, ao invés de ser salvo, ele se perdeu de vez...
Dizem que as suas últimas palavras foram: Marcos, agora eu consegui sair.

Por que as coisas na vida têm que ser tão trágicas?...


Vamos mudar tudo!

Marcos – Esperei o dia de hoje, nosso aniversário, pra ajudá-lo a renascer.


Marcelo – Renascer... sei... Quer saber, vai embora daqui, mete o pé, você também não me aceita, não gosta de mim... Vai embora!


Marcos – Eu vou, mas vou voltar, não vou desistir de você.


Marcelo – Tá, Tá bom... Vai continue sonhando em ser Doutor, vai ser escravo lá embaixo.


Marcos – Como se você fosse livre aqui em cima.

Marcelo – Tá fazendo o quê aqui, ainda, Rala!

Marcos – Essa foi a última vez que o vi...
Só sei que três dias depois, sem falar nada com ninguém, ele desceu o morro, voltou para casa e procurou ajuda, se tratou e agora visita centros de reabilitações de drogados, fazendo palestras contra o uso de drogas, e depois de tanto tempo, o estou esperando chegar com o seu filho, ele quer que mostremos juntos o bairro que crescemos.

É assim ficou bem melhor.


Fim

Peça encenada pelo Núcleo de Adolescentes no ano de 2006 e transformada em fotonovela

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